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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Cultura e Evangelho: o lugar da cultura no plano de Deus

09.10.2013
Do blog NOVOS DIÁLOGOS, 06.10.13
Por Nivea Lazaro

Cultura e Evangelho: o lugar da cultura no plano de Deus
GONZÁLEZ, Justo L. Cultura e Evangelho: o lugar da cultura no plano de Deus. São Paulo: Hagnos, 2011. 

Cultura e Evangelho é um daqueles livros cujo título aguça a expectativa do leitor. Resultado de uma série de conferências feitas por Justo González, o livro nos dá a oportunidade de adentrar a intersecção entre antropologia e teologia ou, nos termos do livro, cultura e evangelho. A obra tem seus créditos muito por introduzir determinadas questões pertinentes ao tema de missões, mas não só isso: também por trazer à tona questões a partir da própria experiência do autor (um protestante em Cuba). 

Uma das primeiras questões que se coloca no livro é a de como ser cristão em uma dada cultura. Ora, se somos cristãos, nós o somos sem deixar de sermos brasileiros, norte-americanos, franceses e por aí vai. O ponto aqui – e que transparece não só nesta parte, mas em outros trechos do livro – é o conceito de cultura com o qual o autor trabalha (e que talvez eu devesse chamar conceitos). Trata-se de um conceito de cultura um tanto estático e, ao mesmo tempo, difuso. Para o autor, cultura tem uma dimensão externa e outra interna, sendo externa a relação do homem com o seu meio ambiente e interna a relação do homem consigo entre si. Já o título em espanhol aponta para o conteúdo do livro de forma mais ampla: Cultocultura y cultivo, incluindo a dimensão da fé (culto). 

O primeiro capítulo do livro trata sobre fé e cultura e traz uma discussão muito interessante. Nas palavras do autor: 

Seria possível ser evangélico plenamente, tão evangélico quanto qualquer um dos missionários que vinham da América do Norte, e ao mesmo tempo ser plenamente latino-americano, tão latino-americano quanto qualquer um? (p. 28) 

É possível ser este o maior mérito do livro: trazer esta e outras questões importantes à baila. Quanto a primeira e talvez mais central, lembro-me de ter lido alguns trechos de um livro chamado Religião como tradução, cuja principal tese enriqueceria e muito as respostas de González, pois no livro de Cristina Pompa (1), o que aconteceu nas missões jesuíticas não foi uma simples imposição da religião católica aos índios, mas uma tradução de ambas as partes que resultou na catequese indígena. 

Outro ponto importante levantado por González é a relação entre a cultura e a queda, cuja conclusão pode parecer simples, mas é frequentemente esquecida (2). No capítulo quatro, discute-se sobre a diversidade de culturas usando dois momentos bastante semelhantes na Bíblia: o episódio da torre de Babel e o Pentecostes. 

No capítulo seguinte, sobre cultura e evangelho, fala-se sobre cultura, porém de forma mais abstrata. Nas palavras do autor: “como pode uma cultura alheia ao evangelho encarnar esse mesmo evangelho?” (p. 96). 

No capítulo seis, sobre cultura e missão, está uma das passagens mais importantes e significativas do livro: “...toda cultura deve ser vista sob a lente dupla do amor e da presença de Deus, por um lado, e da corrupção do pecado, por outro. Toda cultura é pecaminosa, mas, ao mesmo tempo, Deus atua em toda cultura.” (p. 124). 

No capítulo que encerra o livro, o autor discute “como a própria adoração cristã mostra e celebra certa relação entre a fé e a cultura”, tendo por tema os sacramentos. Ainda no último capítulo, González faz uma leitura de Rembao, distinguindo o que chama ser uma “cultura evangélica” e a cultura que nos rodeia. Esse é um ponto que considero embaçado na obra do autor. Podemos ser cristãos, mas cristãos que vivem em determinado contexto histórico e geográfico. Como separar uma “cultura evangélica” com tal nível de abstração? 

Apesar de revelar suas lacunas (principalmente pelo aspecto antropológico e de como este é trabalhado ao longo do livro), de escrita leve e bem delineada, Cultura e Evangelho é uma boa leitura, sobretudo a quem deseja se iniciar no tema. O livro levanta questões importantes e esboça ótimas discussões em torno do assunto, dando-nos o gosto de conhecer mais do autor. 

Notas 
(1) Religião como tradução: missionários, Tupi e Tapuia no Brasil colonial. Bauru, SP: Edusc, 2003. 
(2) Cap. 3. Cultura e pecado. 
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