20.10.2019
Do blog VOLTEMOS AO EVANGELHO
Por Israel Belo de Azevedo
1 Coríntios 12 e 14:
1. INTRODUÇÃO
O
tema dos dons espirituais tornou-se na história do Cristianismo num
capítulo de discórdia. Em vários momentos da trajetória da Igreja,
pessoas e grupos se desentenderam em relação aos "carismas" de Deus.
Desde os coríntios, e não apenas agora, as igrejas têm se dividido em
torno de duas visões antagônicas. Nas igrejas, uns se interessam pelo
assunto e se incomodam com o fato de não saberem quais são seus dons ou
como colocá-los em operação. Outros não têm o menor interesse pelo
assunto, ao ponto de o apóstolo Paulo os chamar de "ignorantes"
(1Coríntios 12.1) Há muitos cristãos que ignoram seus dons, porque nunca
se interessaram por eles.
Entre os crentes que procuram viver a sua
fé em Cristo, todos concordam que os dons existem e que Deus,
pressupondo que a Igreja precisa deles para cumprir sua missão. O acordo
pára aqui, porque uns acham (em Corinto, inclusive) que os dons devem
ser buscados, com prioridade para os dons espetaculares (como curar e
falar em línguas). Outros acham que os dons devem ser apenas buscados,
mas sem qualquer priorização para qualquer tipo de manifestação.
Estamos
diante de duas correntes clássicas: uma iluminista, que coloca toda as
experiências humanas sob o foco da luz da razão. E à luz do enfoque
racionalista, quem está doente deve procurar um médico, que fará o que
for possível. À luz da fé, quem está doente deve orar pela cura e buscar
um médico, deixando a Deus a decisão sobre como vai operar, se
espetacularmente ou se cientificamente.
A segunda corrente é a
neo-iluminista (conhecida como carismática ou pentecostal), que prefere
para cada decisão uma luz direta e espetacular de Deus. Ele é sempre
emoção; é sempre show; toca sempre a nossa pele. E à luz do enfoque
emocionalista, quem está doente deve procurar alguém que tem o dom de
curar espiritualmente. À luz da fé, quem está doente -- repito -- deve
orar pela cura e buscar um médico, deixando a Deus decisão sobre como
vai agir, se miraculosamente ou se por meio da medicina.
Diante destas tendências, o apóstolo Paulo nos apresenta uma teologia prática clara e desafiadora acerca dos dons.
2. O VALOR DOS DONS
A
primeira verdade que o apóstolo Paulo destaca é que o tema dos dons
espirituais é muito importante, porque é por meio deles que Cristo
edifica a sua igreja e por deles que a igreja edifica o mundo.
Uma
igreja sem dons é como um cadáver. A vida da igreja são os seus dons. É
por isto que não é possível haver um crente sem dons. Não pode haver um
crente sem que nele habite o Espírito Santo.
A igreja é uma
comunidade de pessoas diferentes. O mistério de Deus, de que fala Paulo
várias vezes, é fazer estas pessoas diferentes agirem segundo Seu
conselho. A igreja é a família de Deus, composta, portanto, por pessoas
diferentes (como na família humana).
A igreja é um corpo onde Deus
vive e através do qual ele opera. "Se você quer encontrar Deus no mundo
de hoje, Seu endereço é "a igreja", (Ray Stedman) não apenas quando ela
está reunida, mas quando os seus membros estão em ação, onde quer que
vivam. A igreja não é apenas seus membros reunidos. Uma igreja não
acontece nos seus encontros dominicais.
Neste sentido, ela é
diferente de uma escola ou de uma fábrica. Uma escola é uma organização
de pessoas reunidas. Uma fábrica é uma organização de pessoas reunidas.
Uma igreja, não. Uma igreja é uma organização diferente, porque composta
por pessoas verdadeiramente regeneradas pelo Espírito Santo para formar
um corpo vivo, que vive e se desenvolve no mundo, não à parte dele,
para alcançar os desamparados com o amor de Deus e com a vida que provém
dEle.
Há muitas pessoas que não entenderam esta verdade e ficam
contentes com um belo culto dominical. Se este culto não me capacitar a
alcançar aqueles que Deus quer alcançar, este culto não terá valido
absolutamente nada. A experiência de culto verdadeira é aquela que
termina com a mesma oração de Isaías: "Senhor, envia-me". É para esta
ida ao mundo que Deus capacita as pessoas com dons.
Precisamos ter
uma convicção clara a este respeito, para não sermos levados de um lado
para o outro, como acontece àqueles que, não seguindo a Deus, seguem os
deuses do momento. Esta convicção, no entanto, não nos deve levar a
anatematizar (12.3) os que pensam diferentemente de nós. Eu me refiro à
tensão entre "tradicionais" e pentecostais ou neopentecostais, lembrando
que a distinção é meramente didática, já que o neopentecostal de hoje
será o pentecostal de amanhã. Também não devemos esquecer que boa parte
de nossas diferenças são muito mais semânticas (em torno do significado
de palavras) e muito menos existenciais (em torno do significado de
vida). Aquilo que uns chamam de plenitude do Espírito Santo, outros
chamam de segunda bênção ou batismo do Espírito Santo. Se vivemos de
modo que o Espírito flua em nós, não importa o nome que venhamos a dar a
esta manifestação. Se brigamos por causa dessas palavras, podemos estar
certos que o Espírito Santo não está em nós...
3. A PLURALIDADE DOS DONS
Paulo
prossegue lembrando que a igreja precisa de pessoas com dons diversos
(cf. 12.29-30). Não há dons de primeira classe e dons de segunda, como
não deveria haver cidadãos de primeira ou de segunda classe. O dom da
profecia (exposição da Palavra de Deus como vinda mesma de Deus) não é
superior ao dom da portaria, que tinha muito valor na igreja antiga e
deve ter na nossa. (Como os cultos eram perseguidos, os porteiros
cuidavam da segurança dos crentes reunidos. Hoje, como são poucas as
pessoas que vêm a igreja, elas precisam ser recebidas de tal modo que
queiram ficar).
Somos todos iguais, não importam as funções pelas
quais exerçamos nossos dons. Aqueles dons considerados mais humildes são
necessários. Se não fossem, Deus não os daria. Na vida de uma cidade,
os garis são tão importantes quanto os poetas. Podemos ficar anos sem
estes, mas nem um dia sem aqueles.
Por isto, não podemos pensar em
nossa importância pessoal. [Como ensinou Barclay,] Sempre que começamos a
pensar nela, pomos fim à possibilidade de fazer algo realmente
importante para Cristo por meio da igreja.
Ninguém pode se achar o
todo do corpo (12.27) e ninguém pode ser excluído dele. Nenhum de nós
escolheu o dom que tem. Fomos escolhidos. Foi Deus quem os dispôs como
quis (12.18). Onde está a nossa importância? Se tivermos esta convicção,
na teoria e na prática, não nos permitiremos ser derrubados pela
auto-exaltação. Há pregadores corroídos pelo cancro da vaidade. Há
cantores corroídos pelo cancro da vaidade. Há corais corroídos pelo
cancro da vaidade. Há professores da Escola Dominical corroídos pelo
cancro da vaidade. Sabe qual o valor daquilo que fazem? Nenhum. Eles não
edificam a Igreja, antes destroem-na e a si mesmos. Por isto, os que
exercemos nossos dons devemos orar todos os dias para não sermos
derrubados.
Nós precisamos de mais pessoas com mais dons, mas dons,
não autodons, mas dons de Deus, colocados por Ele para edificar a
igreja, que é sempre plural. Celebremos a Deus pela diversidade dos seus
dons entre nós e para conosco.
4. A UNIVERSALIDADE DOS DONS
Ensina ainda o apóstolo que todo cristão tem um dom, pelo menos um.
Mesmo
que você esteja sendo apenas um cristão de domingo e não precise de
dons, você tem pelo menos um. Na manhã do dia 12 de outubro, enquanto
nos dirigíamos para participar da festa da solidariedade na Cidade
Batista (em Campo Grande, Rio de Janeiro), uma irmã se lamentou comigo
por não ter nenhum dom. Então, eu lhe disse:
-- A senhora acordou de
madrugada para vender sorvete e levantar recursos para a obra social das
igrejas, sem nada em troca. Então, pelo menos um dom a senhora tem: o
dom da misericórdia (conforme 1Coríntios 12.28) ou do socorro (conforme
Romanos 12.8). Possivelmente, a senhora tenha ainda outros dons.
Deus tem uma infinita variedade de dons para dar.
Em sua Primeira Carta aos Coríntios, Paulo arrola 13 dons (12.8-11, 28-30), assim apresentados:
1. dom da palavra da sabedoria (capacidade intelectual para agir sabiamente diante de situações específicas).
2. dom da palavra da ciência (capacidade espiritual de conhecer a Palavra de Deus e aplicá-la).
3.
dom da fé (além da fé salvadora, é a disposição de viver pela fé,
esperando em Deus nas mais diversas situações de vida, vivendo num modo
fora dos padrões naturais).
4. dom da cura (física, emocional e espiritual).
5. dom do milagre (operação de obras poderosas de Deus).
6.
dom do discernimento de espíritos (percepção dos falsos profetas, como
ter um telefone com identificador de chamadas, que indica que número
está ligando).
7. dom da profecia (exposição daquilo que Deus diz,
apresentação da mente de Deus, interpretação do seu pensamento
claramente aos ouvintes)
8. dom de falar em línguas (falar em línguas
não-naturais, mas espirituais, provindas diretamente de Deus e não da
aprendizagem ou do inconsciente humano).
9. dom de interpretar línguas (interpretar essas mesmas línguas, para a edificação dos ouvintes)
10. dom do apostolado (dom de fundar igrejas e mantê-las unidas na doutrina e na prática)
11. dom do ensino (exercido por mestres, cf. Efesios 4.11, por professores de Bíblias)
12. dom do socorro (ou misericórdia, cf. Romanos 12.8, ou da diaconia em geral, da ação social em geral)
13. dom do governo (ou presidência, cf. Romanos 12.8, na direção das igrejas ou de segmentos das igrejas).
Você
não tem nenhum destes dons? Não se preocupe. O mesmo apóstolo
acrescenta outros, em Romanos 12 e Efésios 4, num total de, pelo menos,
17 (que podem ser 18 ou 19, conforme a interpretação).
14. Dom do ministério (ou pastorado, cf. Efésios 4.11).
15. Dom da exortação.
16. Dom do repartir (suas posses) com os outros.
17. Dom da evangelização.
Você não tem nenhum destes dons? Não se preocupe.
Você
pode completar a lista, porque as listas de Paulo foram formuladas
conforme os exercícios que ele viu nas igrejas em função das
necessidades delas.
5. A DESCOBERTA E DESENVOLVIMENTO DO DONS
A
manifestação do dom é uma manifestação do Espírito. Não é algo normal,
natural, nem nenhuma habilidade natural, como cantar ou pregar. Não
basta saber cantar. Não basta saber pregar. A capacitação espiritual
transforma estas habilidades em dons.
A manifestação do dom é, pois,
um movimento carismático, mas não apenas carismático espetacular. Dom
não é talento. Todas as pessoas têm talentos, mas nem todas têm carismas
(dons espirituais). Se talento e carisma estiverem juntos, Deus fará
proezas.
Cantar é uma habilidade natural; encorajar os outros, por
meio do cântico, é um dom. Pregar é uma habilidade; deixar-se usar como a
voz de Deus para os outros é um dom. Ensinar uma classe na Escola
Dominical é uma habilidade natural; ensinar de modo a que as pessoas
entendam e vivam a Palavra de Deus é um dom.
Há muitos talentos desperdiçados, porque não ungidos. Há muitos dons desperdiçados, porque não desenvolvidos.
Você quer descobrir quais são seus dons?
1. Ache que vale a pena viver pelo Espírito Santo.
2. Dedique tempo para a igreja.
3.
Veja as necessidades (deixando-se tocar pelas carências dos outros). Se
as necessidades lhe tocam, você está no caminho de descobrir seu dom.
Há muitas necessidades em nossa igreja. Precisamos receber melhor as
pessoas que nos procuram; logo, precisamos de mais gente na portaria,
gente disposta e bem preparada. Precisamos dizer aos nossos vizinhos que
nós existimos; logo, precisamos de mais gente na área da comunicação,
incluindo aí o jornalismo, a publicidade e o marketing. Precisamos
alcançar mais pessoas com o amor de Cristo, porque uma igreja vive para
fazer discípulos, não para se divertir no culto; logo, precisamos de
mais evangelistas, de mais visitadores. Precisamos fazer mais em muitas
áreas, mas precisamos de gente com dons, dons descobertos e exercidos.
4.
Busque os dons com zelo, -- vigor, força (14.1) -- e com a intenção de
os usar para a edificação da igreja. Assim também vós, já que estais
desejosos de dons espirituais, procurai abundar neles para a edificação
da igreja (14.12). Se você tiver um dom espetacular, subordine-o à ordem
no culto coletivo. (Se, pois, toda a igreja se reunir num mesmo lugar, e
todos falarem em línguas, e entrarem indoutos ou incrédulos, não dirão
porventura que estais loucos? -- 14.23)
5. Esqueça a sua importância
pessoal. Enquanto você se importar com ela, você não descobrirá seu dom.
O seu dom é para o proveito coletivo. O seu benefício direto é o
benefício da comunidade (12.7).
6. CONCLUSÃO
O dom, para ser descoberto, exige compromisso com Deus.
O dom, para ser aperfeiçoado, exige compromisso com Deus.
O dom, para que não se torne motivo de vaidade, exige compromisso com Deus.
O
dom se desenvolve no exercício. Deus o dá, mas não o dá já
desenvolvido. Neste sentido, seu desenvolvimento se assemelha ao talento
(habilidade natural). Mesmo sendo espiritual, o dom precisa ser
aperfeiçoado.
Não tenha medo de ter consciência do seu dom. Esta
consciência vai implicar em trabalho, mas valerá a pena, porque você não
só estará sendo útil como estará crescendo em direção à maturidade e à
santidade.
Não tenha medo de usar o seu dom. O uso vai lhe fazer uma
pessoa cada vez mais controlada pelo Espírito Santo, mas vale a pena
viver no sobrenatural. O natural não esgota a realidade humana. Viver
pela razão não nos completa, porque é uma vida incompleta.
Não tenha medo de crescer. Não tenha medo de conhecer a Deus. Não tenha medo de ser santo.
Não
ponha o seu dom acima de Cristo e seus valores. O uso dos dons
espirituais é real, mas deve ser submetido a Cristo e aos valores
éticos. Dom e ética não podem estar separados. Se alguém diz ter dom,
mas não vive a moral de Cristo, certamente não o tem ou está se
confundindo para sua própria destruição.
Não despreze a sua igreja. A
verdadeira espiritualidade conduz o crente para dentro da igreja local,
onde desenvolverá seu compromisso com o senhorio de Cristo.
Em
tudo, vivamos segundo a recomendação do apóstolo Pedro. Se alguém fala,
fale como entregando oráculos de Deus; se alguém ministra, ministre
segundo a força que Deus concede; para que em tudo Deus seja glorificado
por meio de Jesus Cristo, má quem pertencem a glória e o domínio para
todo o sempre. Amém. (1Pedro 4.11).
* Pregado na Igreja Batista Itacuruçá, em 22.10.2000 (manhã)
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Fonte:http://www.prazerdapalavra.com.br/mensagens/por-livros-da-biblia/novo-testamento/337-1-corintios/capitulo-12/208-1-corios-12-e-14-os-dons-de-deus