07.05.2015
Do portal ULTIMATO ON LINE, 06.05.15
Por Rafaela Senfft
A produção artística na comunidade cristã é ainda incipiente no campo
das artes plásticas.
Há muito tempo os cristãos se alienaram dessas
práticas artísticas, talvez porque não tenham conseguido agregá-las à
vida cristã comunitária nem incluí-las no âmbito da expressão estética
do Reino de Deus. As preocupações em preparar-se espiritualmente para a
volta de Jesus, abstendo-se de tudo o que considerava “secular”, bem
como o cuidado para não contaminar-se com o “mundanismo’, acabou jogando
no cesto do secularismo muitas coisas que refletiriam a glória de Deus.
Muitas expressões musicais, por exemplo, que falam da natureza, da
existência, dos sentimentos humanos, foram desprezadas pelos ouvidos
cristãos porque foi-lhes ensinado a suprimir o que era “terreno” em
troca da transcendência. Com isso, perdeu-se a oportunidade de expandir o
conteúdo do louvor literal.
Acontece que a ausência desses elementos
que muitas vezes são negligenciados em função de um temor de se aliar ao
secularismo, como a percepção e a reflexão sobre as coisas naturais e
existenciais, resulta num esvaziamento inóspito do “patamar superior”,
pois faltam elementos e recursos criativos; e a ideia de céu cai naquele
imaginário clichê monocromático que consiste em anjinhos tocando harpa
sobre nuvens.
Um dilema histórico pode nos ajudar a desenvolver este raciocínio.
Desde quando o imperador Constantino instituiu as Basílicas Romanas como
locais de culto cristão, decorar ou não as igrejas foi um assunto
amplamente discutido. A decoração das basílicas dependia de quão
iconoclastas os papas eram. Alguns viam as imagens com parcial
importância, pois estas serviriam a fins didáticos, a maioria da
população não sabia ler e as cenas bíblicas desenhadas nas paredes
ajudariam estas pessoas a conhecer a narrativa cristã. Outros pensavam
na arte como reflexo da glória de Deus, por ser um talento dado pelo
próprio Deus, refletia Seu poder vocacional sobre homens a fim de
glorificá-lo, e ainda na própria noção do Belo como uma virtude elevada,
o resplendor das formas e cores seriam símbolos da glória divina, e a
arte serviria como veículo transportador até à transcendência. Os
iconoclastas temiam que as imagens se tornassem como “bezerros de ouro”
utilizados para a prática da idolatria, tomando o lugar de Deus.
Os
protestantes brasileiros acabaram se aproximando desta ultima idéia e o
resultado disso foi uma pobreza estética que inibe a imaginação. Fomos
privados de um aprendizado simbólico que produziria em nós um repertório
riquíssimo de significados. Por causa desta privação, nos tornamos
pouco imaginativos e muito pragmáticos; e, portanto, tão pouco ligados à
ideia de eternidade (pois pensar na eternidade requer materiais
imaginários e simbólicos complexos). Talvez por esta ausência, haja
também tanto desinteresse pela narrativa bíblica, principalmente pelo
Antigo Testamento. A imaginação é algo essencial na saga dos heróis da
fé. Com ela é mais prazeroso habitar na História e se deixar fruir com
ela.
Penso o quanto é importante uma educação simbólica e artística na
escola (e por que não na igreja?), pois ela tem o poder de trazer estes
recursos que enriquecem a vida. Vida com Deus requer imaginação! A arte
tem o poder de fazer fruir o pensamento, ela serve para desenvolver uma
visão de mundo menos formatada; ela serve como uma forma de transformar
pedras em coelhos, tesouras em corujas. Arte serve para manter acesa a
chama do imaginário, a única que propõe uma dança em meio a situações
mais conflitantes da vida; é aprender a ter leveza, a ver respostas e
soluções no infinito, é atravessar as paredes do materialismo para
buscar respostas necessárias à condição humana.
Excluir das manifestações estéticas o sentimento autêntico humano ou o
cheiro da flor não é servir ao mundanismo, pois o próprio Deus permitiu
que ambos existissem. Não decorar as igrejas ou não se deliciar na
tinta fresca sobre a tela por causa de uma interpretação equivocada de
idolatria não é se alienar, ao contrário, se Deus é tão rico em sua
criação, então por que não celebrar e levá-la de uma forma instigante as
outras pessoas? Expressar artisticamente é amar, quando se faz isso
dentro de uma ordem lógica inteligente; a arte pode falar da dor, mas
deve trazer a esperança, pois a arte do cristão precisa refletir sua
visão de mundo. O artista não precisa representar apenas anjos, santos
ou Jesus crucificado; o artista cristão precisa utilizar da arte como
uma seta que aponta para um Novo Reino, provocar uma centelha de
esperança do coração das pessoas.
O artista cristão deve ensinar o outro
a descansar, deleitar, a se entregar a um novo mundo que foi inaugurado
por Cristo de onde emana a fonte de toda a beleza e que ao olhar uma
obra de arte tão arrebatadora por sua beleza, imaginar que um dia
adentraremos num lugar tão mágico quanto!
A arte, quando pautada numa visão de mundo correta dentro do
relacionamento com Deus, é capaz de comunicar coisas grandiosas,
desvendar tesouros escondidos. Mas é importante que o artista vivencie
experiências estéticas e busque conhecimento para que, com um olhar
permeado da graça de Cristo, possa assumir uma produção responsável.
A produção artística no Brasil é incipiente, mas está acontecendo.
Deixo minha sugestão de uma literatura imprescindível para todos os
artistas cristãos: A Arte Moderna e a Morte da Cultura,
de Hans Rookmaarker. É um livro elementar para a busca de um
conhecimento estético complexo. Rookmaarker faz uma leitura da arte na
história com um olhar redentivo, e, a partir deste conhecimento, aponta
diretrizes de uma arte de quem busca um cristianismo que integra
trabalho, vocação, missão e relacionamento através da arte.
• Rafaela Senfft é artista plástica e professora de História da Arte. É membro da Igreja Esperança, em Belo Horizonte (MG).
Leia também
A Arte Moderna e a Morte da Cultura Rookmaaker – arte e mente cristã A arte não precisa de justificativa A arte e a bíblia
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Fonte: http://ultimato.com.br/sites/blogdaultimato/2015/04/06/temos-artistas-cristaos-no-brasil/