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sexta-feira, 2 de maio de 2014

Secularização e Cristianismo: a igreja na encruzilhada histórica

30.04.2014
Do portal GOSPEL PRIME
Por Cleiton Maciel Brito
Secularização e Cristianismo: a igreja na encruzilhada históricaSecularização e Cristianismo: a igreja na encruzilhada histórica
A secularização da sociedade encontra-se no apogeu do seu desenvolvimento. Tal processo, entendido como um momento da história mundial em que a religião e, mais especificamente, a crença em Deus, deixa de ser uma opção racional para o ser humano, teve suas bases fincadas nos séculos XVIII e XIX, mas ganhou forma substantiva no decorrer do último século. Concretamente, poderíamos dizer que até meados do século XX ele vinha tomando corpo teórico, formando um conjunto de pensamento que negaria a verdade absoluta e relativizaria a realidade, para, nas últimas décadas disseminar-se nas diferentes esferas sociais.
Segundo o sociólogo alemão Max Weber (2004), este seria o momento da modernidade propriamente dita, do “desencantamento do mundo”, isto é, a época histórica em que a racionalidade científica entraria em choque com a visão tradicionalista da religião, e esta perderia o espaço da legitimidade discursiva. O “mundo encantado” da fé seria, em face disso, solapado pelo “mundo desencantado” da razão. Isso não quer dizer que a religião deixaria de existir. Não é esse o ponto. O que o pensador alemão estava dizendo, a exemplo do filósofo Friedrich Nietzsche, é que Deus estaria morto enquanto modelo explicativo, ou seja, na qualidade de elemento normativo da vida e do devir (WEBER, 1982).
Como se tratava de mudança histórica, tal “desencantamento” não se desenvolveria de forma homogênea em todas as partes do mundo. As especificidades macro econômicas e sociais das distintas nações, em certo sentido, determinar-no-iam. Contudo, esse fato social apresentou um dado comum em todos os países: ter sua germinação nas universidades. Foi nela que a filosofia, sociologia e história de cunho secular ganharam força face ao pensamento de intelectuais como Karl Marx, Albert Camus, Jean Paul Sartre, Hannah Arendt, Jacques Derrida, Simone Beauvoir, Michel Foucault, Gilles Deleuze, Judith Butler, entre outros.
Esses pensadores propagaram no ambiente acadêmico a perspectiva que valores morais e éticos, por exemplo, são meros constructos culturais que, de forma geral, visam controlar socialmente o que é legítimo e o que não o é (MARX, 2007). Dessarte, a religião faria parte de um dispositivo social que buscaria instaurar regimes de verdades tendo em vista o controle (FOUCAULT, 2008). Portanto, tal pensamento secular propunha a libertação das amarras da verdade absoluta e de uma lei moral, características do cristianismo na história (FOUCAULT, 1993).
Se em um primeiro momento esse ideal socio-filosófico esteve limitado aos muros das universidades, a partir dos levantes sociais das décadas de 1970 e 1980, ele se expande sobremaneira, e passa a fazer parte do debate público em seu sentido geral. Os movimentos homossexual, feminista e de legalização das drogas, por exemplo, são a concretização social e política dessas ideias que, a piori, estavam circunscritas à academia.
Aqui há uma questão fundamental a se observar. Refirimo-nos ao fato de que esses movimentos foram ganhando forma à medida em que a sociedade tornava-se, cada vez mais, ligada à universidade, e esta, à sociedade. Em outras palavras, as pessoas que iam para o ambiente universitário saiam de lá com uma pesada carga de pensamento ligada à secularização, e isso foi se conformando enquanto um fato social total.
Além disso, quanto mais a população passava a ter acesso ao ensino universitário humanista, mais este passou a ser influente no conjunto social. A Europa e os Estados Unidos foram exemplos concretos disso. Lá, a forte influência do pensamento secular ganhou corpo sob o grande progresso do ensino universitário ligado ao projeto de “desencantamento do mundo”. Entretanto, hoje a universidade não é o pivô desse movimento, pois o ideal secular se disseminou de tal forma que a cultura desses países já é, em essência, secularizada.
No Brasil este processo ainda está se iniciando, e os recentes movimentos pró aborto, legalização das drogas, marcha das vadias, Parada gay, bem como o Projeto de Lei Complementar 122 são sinalizadores do atual momento e mostram, assim, que nosso país entrou na rota histórica do desencantamento do mundo e da secularização de todas as esferas sociais. Há em curso um momento de laicização não apenas do Estado, mas da própria sociedade brasileira.
Em meio a todo esse arquétipo cosmológico constituído sobre os ares do homem como explicação do homem surge uma questão crucial: a relação da igreja de Cristo com um mundo cada vez mais sem Cristo. Mais especificamente, como tornar objetivo o mandamento bíblico postulado por Paulo na epístola aos Romanos 12:2b: “E não vos conformeis com este século.” Aqui, o termo utilizado por Paulo se refere a não tomar a forma do mundo, não deixando-se ser moldado segundo um padrão contrário às Escrituras.
Um dos conselhos de Paulo para que isto se realize plenamente é de que o ministro de Deus seja apegado à Palavra (2 Timóteo 3:14), falando o que convém à sã doutrina (Tito 2:1), uma vez que ele é o modelo do rebanho (1 Pedro 5:3). Entrementes, diante do movimento de secularização, o modelo bíblico propagado pelos apóstolos tem sido questionado e colocado como fruto de uma sociedade machista, heteronormativa, e que, em face do progresso social e científico, se tornou uma visão ultrapassada (ARÁN e PEIXOTO JÚNIOR, 2007). Esse seria o tempo da diversidade e da afirmação de diferentes identidades (PEIXOTO JÚNIOR, 2005). Logo, o padrão bíblico de comportamento seria algo engessado, que não incorpora os valores sociais pós-modernos.
Se essa crítica se restringisse à crítica da igreja e do seu papel na sociedade, isto faria parte da configuração democrática, fruto do próprio processo de discussão social, pois numa sociedade de Direitos, o direito à discordância é assegurado pela própria Constituição. Mas o que se observa nesses tempos é não somente a crítica, como também a invasão da esfera religiosa por valores seculares. Concretamente, isso significa que há uma tentativa de colonização do campo religioso pelo campo científico e filosófico.
Talvez a maior destas invasões seja a busca pela legitimidade do pastorado homossexual. Vejamos o porquê.
Para a filosofia e a sociologia de matriz pós-estruturalista[1], como a Teoria Queer[2], a sexualidade é produto da cultura. Ninguém pertence a um gênero predefinido (BUTLER, 1999). O gênero é construído socialmente, e é, portanto, mutável. Logo, nessa perspectiva, ninguém nasce “homem” ou “mulher”: nascemos e nossa sexualidade vai sendo moldada, sem predefinição de um gênero específico (BUTLER, 2003).
É nessa linha de pensamento que grande parte dos defensores do pastorado homossexual buscam legitimidade. De certa forma, é de lá que eles vêm. Em algum momento passaram a ter contato direto ou indiretamente com essa vertente teórica das ciências humanas, e foram por ela influenciados. São os defensores da chamada Teologia Inclusiva[3].
Diante do exposto, fica claro que os ensinamentos bíblicos que ordenam que o ministro do evangelho deve ser esposo de uma só mulher (1 Timóteo 2:2), que Deus fez homem e mulher desde o princípio (Gênesis 1:27; ), que o casamento bíblico é entre macho e fêmea (Gênesis 2:18, 20; Mateus 19:4-12), e que a homossexualidade é um desvio do plano de Deus para a vida do homem e da mulher (Levítico 20:13; Gênesis 19:1-11; Ezequiel 16:49-50; Judas 7; Romanos 1:18-27; 1 Coríntios 6:9; 1 Timóteo 1:10) não tem valor normativo no mundo almejado pelos defensores do “evangelho contemporâneo”, uma vez que a relativização de determinados textos bíblicos faz parte fundamental da lente hermenêutica através da qual olham  as Escrituras.
Tal relativização tem conseqüência crucial na história da igreja, posto haver uma inversão do padrão de Cristo para o pastorado do seu rebanho. A homossexualidade, que antes era condenada pela igreja, passa a fazer parte do discurso “evangélico” e se mistura com a própria qualificação dos bispos e diáconos. Na Europa e nos Estados Unidos, nações que, como afirmamos, estão no ápice da secularização, o pastorado homossexual é uma realidade em algumas igrejas históricas[4], o que mostra que o protestantismo precisa de uma reforma.
Analisando sociologicamente, pode-se inferir que esta reforma não irá germinar nas localidades acima mencionadas, posto elas não possuírem as condições histórico-sociais propícias para esse acontecimento. Em outras palavras, elas se encontram imersas em um mar de laicização e vida intra mundana que o potencial protestante está sufocado e emudecido pelo espírito da secularização. O amor ao evangelho tem se esfriado de quase todos, a despeito do crescente amor ao dinheiro, à ciência e ao culto do indivíduo.
Nesse sentido, as condições favoráveis à contestação do processo de secularização e colonização da igreja por comportamentos não-cristãos estão mais latentes nos países onde a sociedade pós-tradicional ainda não se desenvolveu plenamente, tendo ainda sua configuração social e política forjadas em termos capilares. O Brasil talvez seja o país com maior potencial para que o processo reformador ganhe corpo, pois a maior parte da população diz ser praticante da religião cristã. Isso significa que o cristianismo ainda é uma opção culturalmente aceitável no país. Além disso, nossas igrejas históricas não estão ligadas às igrejas européias e americanas que adotaram como normais práticas à revelia do ensino bíblico.
O que é mister neste momento é engendrar uma estrutura de ação apologética que vise  preparar a igreja para falar a um mundo secularizado, como também distinguir o verdadeiro cristianismo daquilo que tentam implantar como parte da sua estrutura teológica e de prática de vida. Assim, estaremos cada vez mais efetuando o que é citado na epístola de Judas, quando este exortou os irmãos a batalharem diligentemente pela fé, face àqueles que buscavam introduzir ensinamentos que não correspondiam aos desígnios de Deus, deturpando o evangelho (Judas 3).
Para tal propósito, postulamos aqui alguns eixos de ação que a igreja de Deus poderia implementar. Trata-se de um esboço sobre o qual acreditamos ser profícua uma análise e discussão por parte das lideranças das igrejas, como segue:
a)    Relevar as diferenças capilares em termos teológicos e políticos a fim de costurar um acordo em torno de um pano de fundo comum: a afirmação dos pressupostos fundamentais de um cristianismo autêntico. Essa é a primeira condição para que o processo reformador seja viável, tendo em vista que o que está em questão não é a luta de igreja contra igreja, mas a afirmação cristã da fé. Enquanto essa etapa não for superada, o secularismo avançará e buscará lançar o cristianismo para fora do presente e do devir humano;
b)    Formular conjuntamente um parecer às igrejas explicitando as condições elementares para o exercício do pastorado. Isso é fundamental tanto para a refutação quanto para a afirmação da verdade do cristianismo sobre essa questão, excluindo, assim, qualquer possibilidade do pastorado homossexual, quer seja pelo eixo da relativização das escrituras ou pelo viés do conhecimento científico. A emissão da opinião da igreja é imprescindível, pois no atual estágio histórico da sociedade, a qualificação e a desqualificação de uma determinada prática se dá fundamentalmente pelo exercício do elemento discursivo. Em outros termos, não se pode pensar que, apenas por não adotar o método histórico-crítico nos seminários teológicos a igreja estará protegida, pois a questão não diz respeito tão somente ao plano acadêmico, mas à cultura como um todo, e é esta que influencia a sociedade hoje;
c)    Criar uma comissão interdenominacional que responda por essas questões e seja a voz da igreja cristã perante os dilemas das atuais e futuras conjunturas sociais. Tal proposta é justificável por, em primeiro lugar, mostrar a unidade da igreja em se tratando de assuntos em debate na sociedade. Em segundo lugar, por ser uma forma de guardar a igreja de posições isoladas e extremistas de alguns indivíduos que emitem opiniões em dissonância com a Palavra de Deus;
d)    Ter uma maior presença nos meios de comunicação virtuais, principalmente nas redes sociais. Com efeito, essas mídias são elos fundamentais para a pregação do evangelho. Vivemos em uma Sociedade em Rede na qual o fluxo informacional está e estará cada vez mais ligado à internet. Isso significa que o ambiente virtual fará parte crescente do dia a dia dos indivíduos, tornando este canal uma forma de comunicação imprescindível para que nós possamos compartilhar a mensagem Cristo;
e)    Implementar, a nível interdenominacional, escolas dominicais com classes especificamente voltadas para estudos de apologética cristã. Em um período da história na qual as bases da fé são colocadas em xeque, se faz urgente que a igreja prepare jovens para que, nos momentos de questionamentos da fé nos quais surgem dúvidas acerca da sua veracidade, eles estejam, à semelhança do que diz o apóstolo Pedro, “sempre preparados para responder a todo aquele que pedir razão da fé em Cristo” (1 Pedro 3:15);
Destarte, acreditamos que esse conjunto de ações se mostra fundamental para o crescimento salutar do cristianismo e para a efetivação de uma reforma que lapide os valores e práticas da igreja na sociedade, tendo, acima de tudo, a Palavra de Deus como base, a qual é verdadeira e inerrante em qualquer época e lugar. Não esqueçamos que é dever da igreja não apenas pregar o evangelho, mas também defendê-lo quando este é atacado por homens à parte da mente de Cristo. Nossas ações ou negligências terão implicações práticas quando estivermos vivendo a médio e longo prazo o desenvolvimento do cristianismo no Brasil, pois isso será em grande parte resultado da emissão ou da omissão de um posicionamento que a igreja realizará no atual estágio da sociedade brasileira.
À guisa de um chamado à apologética cristã, lembremo-nos, pois, das palavras do reformador Martinho Lutero: “Se eu professar com a mais alta voz e a exposição mais clara cada porção da verdade de Deus, exceto aquela que o mundo e o diabo estão ocupados em atacar, no exato momento, não estou confessando a Cristo, apesar de quão ousadamente eu possa professar a Cristo. No calor da batalha é quando a lealdade do soldado é provada; estar firme no campo de batalha, mas se esquivar em algum ponto, é uma mera fuga e uma desgraça”.
Que Deus nos abençoe e ilumine.

Bibliografia Citada
ARÁN, Márcia; PEIXOTO JÚNIOR, Carlos Augusto. Subversões do desejo: sobre gênero e subjetividade em Judith Butler. Cadernos Pagu, nº 28, Campinas, janeiro-junho, 2007, pp. 128-147.
BÍBLIA SAGRADA, A. Antigo e Novo Testamento. Traduzida em português por João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. 2 ed. Barueri – SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. 896p.
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.
__________. Subjects of desire: Hegelian reflections on twentieth-century France. New York, Columbia University Press, 1999.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2008.
__________. Microfísica do poder. 11. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1993.
MARX, Karl. A ideologia alemã / Karl Marx e Friedrich Engels ; tradução Luis Claudio de Castro e Costa. – 3ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007.
PEIXOTO JÚNIOR, Carlos Augusto. Sexualidades em devir e subversão das identidadesRevista Ethica – cadernos acadêmicos, vol. 12, n°s 1/2, Rio de Janeiro, UGF, 2005, pp.131-155.
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva / Max Weber; tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; Revisão técnica de Gabriel Cohn – Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2004.
__________ . Ensaios de Sociologia. Max Weber. Rio de Janeiro: LTC, 1982.
[1] Para a perspectiva pós-estruturalista, a realidade é considerada como uma construção puramente social e subjetiva, não havendo espaço para o sobrenatural, por exemplo.
[2] Entre os principais teóricos contemporâneos da Teoria Queer se destacam: Beatriz Preciado, Judith Butler, Eve Kosofsky Sedgwick e Richard Miskolci.
[3] A “teologia inclusiva” é uma abordagem segundo a qual, se Deus é amor, aprovaria todas as relações humanas, sejam quais forem, desde que haja este sentimento. Ver Augustus Nicodemus: Um Engano Chamado “Teologia Inclusiva” ou “Teologia Gay”. Disponível em http://tempora-mores.blogspot.com.br/2013/06/um-engano-chamado-teologia-inclusiva-ou.html.
[4] Igreja Anglicana do Reino Unido e Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos.
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Fonte:http://artigos.gospelprime.com.br/secularizacao-cristianismo-igreja-encruzilhada-historica-esboco/

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