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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Fé que conduz à ação – Implicações da Doutrina da Justificação para nossa ação

27.12.2013
Do portal NAPEC- APOLOGIA CRISTÃ
Carlos A. Sintado inicia seu artigo sobre Ecologia Social com uma citação de Quintus Septimius Florens Tertullian “O que Atenas tem haver com Jerusalém (…) o que a academia tem haver com a Igreja?”.[2] Nossa pesquisa tem por objetivo buscar na Bíblia e na teologia evangélica luterana impulsos para uma prática eclesial e social que contribua para a manutenção da vida no planeta com a dignidade e o respeito que lhe são devidos.
As duas grandes tentações para as Igrejas cristãs em assuntos como política, economia e direito são o quietismo e o ativismo. O quietismo nega que a pessoa cristã tenha alguma responsabilidade em se envolver no debate que é chamado por alguns de “secular”. Esta tendência a separar a moral religiosa da moral pública, como se uma não tivesse algo a contribuir para a outra é uma herança do Iluminismo.[3] Já o ativismo representa uma solução de compromisso extremo que tem a tendência de equiparar as conquistas sociais à salvação eterna. O quietismo percebe a fé como algo que só tem a contribuir no âmbito da vida interna (espiritual). O ativismo percebe o comprometimento social como a razão última da sua fé.
Em Jesus Cristo, Deus nos justifica sem mérito ou obras nossas somente pela sua graça mediante a fé. A pessoa, tendo sido resgatada da sua justiça própria pela graça mediante a fé, é transportada para uma relação completamente nova com Deus, consigo mesma, e com o seu próximo. Por isto a justificação leva a pessoa cristã à obediência e consequentemente à ação concreta no mundo, pois a pessoa cristã não vive para mais si mesma (2Co 5.17, cf. tb. Confissão de Augsburgo, art. 4).
A fé em Jesus Cristo se expressa como discipulado, o seguimento ao Senhor que chama para um compromisso com seu amor. O discipulado exige a fé e a obediência, ao mesmo tempo em que a fé e a obediência são graça que levam ao discipulado.[4]
Nossas obras, como pessoas cristãs, não são tentativas de agradar a Deus para que com isto Ele se agrade de nós e por consequência nos conceda salvação (Confissão de Augsburgo, art. 6). Nossas obras são resultado da nova vida concedida por Cristo a nós gratuitamente (Ef 2.10). Temos plena liberdade para agir em favor do próximo, pois somos servos obedientes e em tudo sujeitos a Cristo.[5]
Assim como a fé é despertada pela promissio do Evangelho, da mesma forma a Igreja é criatura do evangelho.[6] Fé em Cristo cria comunidade, cria a comunhão daqueles que professam a fé no mesmo Deus Triuno, pois a essência do Deus Trindade é a comunhão das três pessoas. Na comunhão, o discipulado (seguimento) é alimentado, e evoca o testemunho concreto do amor ao próximo, não como lei (obrigação), mas como nova obediência motivada somente por gratidão a Deus pela graça nos concedida em Cristo (Confissão de Augsburgo, art. 5).
Um exemplo concreto encontra-se em Atos dos Apóstolos. A comunidade de Jerusalém reunia-se para celebrar sua fé em Cristo, para alimentar os laços de irmandade, com o objetivo de ser uma comunhão que vive na perspectiva da iminente volta de Cristo. Nesta esperança esta comunhão (comunidade) modifica as realidades onde se encontra e por este motivo também acaba por contar com apoio popular (At 2). A comunhão local em torno das dádivas de Deus (Pão e Vinho, Palavra, Oração) é fermento para ação coletiva e individual, porém também é chamada a lembrar-se que é juntamente com outras comunhões locais ao redor do globo o corpo universal de Cristo, e com isto chamada a um comprometimento maior com uma causa que é global, pois Jesus Cristo é Senhor sobre todo o cosmos. As Igrejas não devem estar sozinhas, mas lançar mão do diálogo para buscar consensos éticos amparados nas Escrituras que motivem a uma ação coletiva cristã no mundo.
Da mesma forma como a teologia latino-americana sempre buscou o diálogo com as ciências sociais, neste artigo continuamos nesta tradição dialogal, pois não há uma contradição inerente entre fé e a ciência. Lutero compreendia a razão como tendo “algo de divino em si”. É uma capacidade para gerenciar conhecimento humano. A razão produz ciência, e isto é fruto da graça criadora de Deus, que fez também a razão como imagem e semelhança do Criador.[7] Desta forma, o diálogo com as ciências sociais, em especial com a economia, poderá trazer bons frutos para nossa reflexão como Igreja. Não cabe a teologia se colocar arrogantemente acima das ciências como a verdade última. As propostas das ciências econômicas, do direito (especialmente na área de direitos humanos) e da filosofia serão refletidas em debate com os pressupostos teológicos aqui expostos. Nossa teologia quer em humildade, conhecendo suas limitações impostas pela razão, dialogar criticamente com as ciências, questionando seus compromissos com a vida e com o direito. Por sua vez as ciências nos questionarão até que ponto nosso compromisso com o discipulado de Cristo está sendo levado a sério na prática.[8] Nenhum saber, nem mesmo o teológico, poderá arrogantemente colocar-se como juíza absoluta de normas e valores, uma vez que sistemas políticos e econômicos são frutos de uma construção social permeada pelo pecado, ainda que na tentativa de sermos justos com todas as pessoas.
[1] Parte de um artigo publicado sob o título Igreja e Globalização: Perspectivas teológicas para a ação da Igreja no mundo globalizado in Azusa – Revista de Estudos Pentecostais, vol. 3, n.1, 2012. Disponível online:http://www.ceeduc.edu.br/pdf/6_revista_fevereiro_2012_alexander_de_bona.pdf
[2] SINTADO, C. A. (2011). “Social Ecology: A Hermeutical Framework for Reading Biblical Texts? A Latin American Perspective” In The Ecumenical Review  63.1. Genebra, WCC Publication.
[3] Schneewind, J.B. (2001). A invenção da Autonomia. São Leopoldo, Unisinos.
[4] Bonhoeffer, D. (1984). Discipulado. 2ª Ed. São Leopoldo, Sinodal.
[5] Lutero, M. (1998). Da Liberdade Cristã. 5ª Ed. São Leopoldo, Sinodal.
[6] Cf. Bayer, O. (2007). A Teologia de Martim Lutero. São Leopoldo: Sinodal, p. 31-32; 187.
[7] Lutero, apud Bayer, op cit., p.115.
[8] Westphal, E. R. (2010). “Teologia como fé inteligente: Aspectos Teológico-filosóficos” in Vox Scripturae 18:1. São Bento do Sul, FLT, p. 101-108; cf. também Tödt, H. E. (1988).“Versuch einer ‚Theorie der Urteilsfindung‘“, In: _____.Perspektiventheologischer Ethik. München, Chr. Kaiser,  p. 21-48.
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