21.11.2013
Do portal da CPAD NEWS, 08.07.13
Por Esdras Bentho
Em vez de adorarmos integralmente ao Senhor em nossas
reuniões, dividimos o tempo com propagandas de viagens a Israel,
bandeiras de cartão de crédito, consórcios.
O capítulo 14 de 1 Coríntios é uma terceira abordagem da mesma
problemática desenvolvida nos capítulos 12 e 13. Observe que o capítulo
inicia-se com o verbo imperativo "diokete"1, isto é, “ir após com
insistência”, em vez de um conectivo. No capítulo 12, o apóstolo dos
gentios descreve os dons espirituais classificando-os em: (v.4)
"diversidade de dons" (diaireseis de charismaton); (v.5) "diversidade de
ministérios" (diaireses diakonion); (v.6) "diversidade de operações"
(diaireseis energematon). A ênfase está na unidade e diversidade dos
carismas. No capítulo 13, Paulo, embora exorte os crentes a buscarem os
melhores dons (12.31), sobrepõe o amor aos carismas.
Todavia, neste capítulo, o apóstolo discute a relação entre os dons
espirituais e a edificação da comunidade cristã. O tema (leitmotiv) da
perícope acha-se no v. 26: "Faça-se tudo para edificação" (v.12). O
termo "edificar" (oikodomeo) aparece sete vezes no capítulo (vv.3, 4, 5,
12, 17, 26). O sentido básico é "construir", "erigir", "construir". De
acordo com Vine, procede de "oikos" e "demo", literalmente "construir
uma casa" e, metaforicamente, "promover o crescimento espiritual e o
desenvolvimento do caráter"2.
Contexto Histórico e Propósitos
As religiões de mistérios multiplicaram-se nos domínios da Grécia e de
Roma. Os adeptos desses cultos eram conhecidos pelos seus "dotes
espirituais", "transes", "glossolalia", "visões", e seus iniciados eram
chamados de "pneumatikos", "pessoas espirituais".
Variegados membros
dessas religiões converteram-se ao Evangelho e, não poucos, estavam
presentes na comunidade cristã de Corinto (1 Co 12.1), como também na
igreja cristã da cidade de Colossos, provocando uma espiritualidade
confusa, sincrética e radical (Cl 2). Nesta última cidade, os crentes
chegaram até mesmo a cultuar os anjos, evitar certos alimentos e
condenar o casamento. Neste contexto sociorreligioso, as manifestações
espirituais na igreja moviam-se entre o exibicionismo e a soberba
espiritual, provocando uma balbúrdia e distorção dos carismas. Lembre-se
o leitor que as religiões de mistério nessas duas cidades dividiam a
humanidade em pneumatikoi (os espirituais), hilikoi (os materialistas) e
psichikoi (os naturais ou racionais). No epicentro desta querela
estavam os "profetas", dotados do carisma da profecia, e os
"glossolalos"3, que falavam em variedades de línguas (vv. 3,4).
Portanto, Paulo escreve com o propósito de:
1) distinguir o valor didático e coletivo da glossolalia e da profecia, vv.1-9;
2) apresentar a função didática dos carismas no culto, vv.12-19;
3) exortar à maturidade v.20;
4) descrever ambos os dons como sinal (semeion) na liturgia, vv.22-25;
5) solicitar ordem na liturgia, vv.26-40.
Em nenhum momento Paulo condena os carismas ou diminui sua importância,
conclui: “procurai, com zelo, profetizar e não proibais falar línguas”
(v.39). Pelo contrário, distingui o valor e a função pública dos
carismas. Assim, o dom de variedades de línguas é considerado útil à
congregação, caso haja quem o interprete, e igualmente importante para a
devoção particular, quando não há intérprete (vv.2,4-5). O dom de
profecia, um dom didático, exortativo e comunitário, é ressaltado pela
sua importância pública e coletiva (v.3). O dom de línguas e o de
profecias recebem elogios e exortações (v.2,4-28; vv.29-40). Os encômios
são dirigidos à correta função dos carismas na edificação pessoal e
comunitária, enquanto as advertências ao uso imprudente e inoportuno,
que provocam balbúrdia. O espanto e tumulto eram tantos que Paulo afirma
que “Deus não é de confusão” (v.33). O que significa afirmar que o uso
incorreto dos carismas revelava desconhecimento da parte dos glossolalos
(que falavam em línguas) e dos profetas da natureza eirênica e ordeira
do Senhor. Ambos os dons servem de fundamento para compreendermos a
necessidade de dons didáticos para a liturgia congregacional e de certos
carismas cuja natureza é mais pessoal do que coletiva.
Um dado importante no capítulo é que o dom, seja de línguas, seja de
profecias, é encarnacional. Alguns entendiam que o dom era apenas
sobrenatural, ou seja, o Espírito Santo é o agente e o cristão apenas o
instrumento passivo dessa manifestação carismática. Desta forma, o
glossolalo e o profeta se eximiam de qualquer responsabilidade na
manifestação do carisma, atribuindo ao Espírito toda e qualquer desordem
(v.33). Os dons porém são encarnacionais, isto é, o crente é também o
agente e não apenas o instrumento.
O profeta, por exemplo, não deixa de
ser quem é, não perde sua cultura e formação, mas antes as exprime por
meio do carisma. Ele, assim como o glossolalo, é responsável pelo modo
como recebe o dom e o manifesta em público. De acordo com Paulo pode
haver até mais de uma profecia no culto, mas instrui que cada profeta
deve esperar sua vez; a recomendação também diz respeito ao que fala em
línguas. Não existe edificação se não se entende o que se está dizendo
ou acontecendo, se não há um propósito claro. Deus não se contradiz.
Como pode “falar por meio de um profeta” e ao mesmo tempo ser
repreendido por outro que também afirma falar em nome dele, ou melhor,
que é “Ele quem fala?” Tal contradição não deve ser aceita na liturgia
pentecostal!
Aqui os pregadores e avivalistas, sejam quais forem os nomes que lhes
sejam dados (“vaso”, “canela de fogo”, etc.), sejam quais forem os
cognomes que lhes sejam atribuídos (“filho do fogo”, “quebra-vaso”,
“filho do trovão”, “ferrolho de fogo”, etc.) têm culpa por sua
cumplicidade e adesão ao “culto maníacos”, ordenando “marchas”,
“danças”, “pulos” entre outras esquisitices que não correspondem à
herança pentecostal ensinada por nossos fundadores.
Da mesma culpa
compartilham os organizadores desses eventos. Num desses, o culto
público realizado às quintas-feiras foi cancelado para os "profetas"
irem ao monte a fim de se prepararem para "o encontro de vasos" que
seria realizado no sábado daquela fatídica semana. Que dureza! Isso
senhores, não é avivamento, mas manipulação das emoções e dos carísmas.
Paulo exorta afirmando: "Irmãos, não sejais meninos" (v.20). Não se
deixem usar pelos pregadores que buscam sucesso por meio da manipulação
dos carismas.
Estrutura
O capítulo está dividido em quatro seções:
1) vv.1-25: Distinções, propósitos e superioridade do carisma profético;
2) vv.26-35: A liturgia e a regulamentação dos carismas;
3) vv.36-38: Autoridade paulina;
4) vv. 38,39: Síntese do discurso.
Comentário e Aplicação
O culto, tanto no Antigo ('abad) quanto em o Novo Testamento (latreuo),
significa "servir", "serviço", referindo-se à liturgia sagrada
oferecida ao Senhor (Êx 20.5; Mt 3.10). O culto é um serviço de gratidão
e adoração a Deus por todas as bênçãos salvíficas (Sl 116.12,13). A
pessoa principal da liturgia cristã não é o crente carismático, mas o
Senhor Jesus Cristo (Ap 15.3,4).
Lamentavelmente, muitas igrejas têm substituído a divina pessoa de
Jesus Cristo por outros personagens evangélicos. Deixam de lado Aquele
que é manso e humilde de coração para abraçarem ególatras; abandonam
Aquele que a si mesmo se doou para receberem os que pedem polpudas
doações; se esquecem dAquele cujo corpo encheu-se das cicatrizes do amor
para agradarem aos que estão cheios das medalhas da fama.
Além de o culto ter como propósito a adoração a Deus, ele também nutre a
edificação da comunidade redimida (vv.4,5,12s). Todavia, em vez de
adorarmos integralmente ao Senhor em nossas reuniões, dividimos o tempo
com propagandas de viagens a Israel, bandeiras de cartão de crédito,
consórcios. Trocamos a adoração pelo comércio, a piedade pela hedonismo,
a contrição pela evasão de si. Voltemos a celebrar ao Senhor e a
unidade do Corpo de Cristo em nossos cultos, tornando-os didáticos,
piedosos e festivos.
Sabemos que a liturgia da igreja primitiva era dinâmica, espontânea e
com manifestações periódicas dos carismas concedidos pelo Espírito Santo
(Rm 12.6-8; 1 Co 12.4-11, 28-31).
Os cultos da igreja de Corinto eram
carismáticos (1 Co 12; 13; 14), pois todas as manifestações do Espírito,
as diversidades de ministérios e de operações, encontravam-se naquelas
reuniões (1 Co 12.4-6). Porém, a igreja estava envolvida em diversas
dissensões e litígios (1 Co 1.10; 6.1-11); pecados morais (1 Co 5) e,
principalmente, desordem no culto de adoração a Deus (1 Co 11.17-19;
14.26-35). A desordem era tal que o próprio culto tornou-se um entrave
ao progresso espiritual dos crentes. Eles eram imaturos e carnais (1 Co
3.1-4 ver v.20).
Por fim, diz Paulo:
“Se alguém cuida ser profeta ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo, são mandamentos do Senhor” (v.37).
Notas
1. Literalmente "ir após com persistência".
2. VINE, W. E. (et al.) Dicionário Vine. 7.ed., Rio de Janeiro: CPAD, 2007, pp.582-3.
3. Tradução grega de "ho lalon glossei".
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Fonte:http://www.cpadnews.com.br/blog/esdrasbentho/?POST_1_79_EXORTA%E7%F5ES+AOS+CARISMAN%EDACOS:+1COR%EDNTIOS+14+COMO+PARADIGMA+DA+LITURGIA+PENTECOSTAL.html
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